Quaresma & Mandala - Mandala Vícios & Virtudes de Hildegarda de Bingen

A Quaresma¹ é um período de recolhimento. Nesse momento do ano, muitas pessoas jejuam, outras escolhem se abstiner de algo em suas vidas oferecendo esta abstinência ou sacrífio à Deus enquanto para algumas a Quaresma significa apenas um momento do ano como qualquer outro. Tudo depende da maneira como a Quaresma é encarada e claro, da fé da pessoa e de sua crença.

Para mim, este é um período de recolhimento e reflexão. Trata-se de um momento do ano onde a observação de si visando a melhora interior faz-se presente e é, ao meu ver, essencial.²

Na Quaresma, Jesus procurou o deserto, isolando-se, onde ficou por 40 dias.³ Nestes 40 dias, ele jejuou, orou, refletiu, calou-se, transformou-se. Assim como o Cristo, muitas vezes, sentimos o mesmo desejo de buscar um lugar calmo, isolar-se e ficar apenas consigo mesmo. Este momento é muito importante para o nosso espírito que, muitas vezes, se perde no barulho do mundo e não consegue mais ouvir sua própria voz.

Primeiros movimentos: os traços do lápis ainda sao vísiveis...

Buscar o silêncio e ficar em silêncio nos permite escutar a nossa voz interior, compreender o que nossa alma quer verdadeiramente, o que deve ser deixado para trás e buscar a coragem necessária para o passo que deverá ser dado no porvir. Geralmente, trata-se de um passo aliado à fé pois nem sempre conhecemos bem o caminho que devemos seguir ou sabemos o que esperar ou como e o quê fazer. Acreditar em si, confiar em si, ter fé são as reais ferramentas para aquele que saí do deserto, do isolamento e que decide construir algo novo em si, para si e em sua vida. CRER PARA VER diz a sabedoria.

Este é um percurso pessoal. Um caminho individual – apenas você pode fazer por si e ninguém pode fazer em seu lugar. Parece uma frase repetitiva mas é isso, não tem jeito : é você com você mesmo. E é justamente por essa razão que tantos têm medo de ir ao deserto, de isolar-se, enfim, de ficarem sozinhos consigo pois têm medo do que vão encontrar…

Os traços partiram: foram apagados, já nao fazem mais parte desta mandala.

Não tenha medo. Não leve seu julgamento para o deserto. Apenas observe, veja os pontos que você precisa mudar em você e conseqüentemente, em sua vida; como você pode fazer essa mudança, quais são as prioridades nesse movimento e trace um roteiro (que nao precise ser fixo porém respeitado) para que você chegue aos objetivos que você busca. Faça tudo respeitando o seu limite atual, o seu jeito de ser e o seu tempo MAS FAÇA – sem se julgar e principalmente, sem se condenar cruelmente. Ser seu próprio algoz não te trará nenhuma virtude, ao contrário, aumentará o medo de ficar sozinho consigo – o que é essêncial – para todos aqueles que desejam elevar-se espiritualmente ou materialmente pois nesta vida, tudo está ligado: somos matéria e espírito num só corpo !

Os vícios existem assim como as virtudes que os destroem e elevam a alma e o espírito. Hildegarda de Bingen via nos vícios uma maneira do ser humano reconhecer o problema para buscar a solução. Para ela, o homem que reconhecia seu vício podia, então, vencê-lo ao buscar a virtude que o destruiria. Simples assim: sem drama apenas observação, reflexão e decisão. Observação para ver e reconhecer o problema. Reflexão para saber como lidar com isso e sobretudo, a decisão de mudar pois sem a decisão, a mudança demora à vir.

Cores e movimento: os vícios tornam-se vísiveis mas as virtudes também.

Cada pessoa pode buscar sua maneira de chegar ao deserto e encontrar-se com si, enfrentar suas tentações, fazer o balanço de sua vida e sair do deserto transformado. Neste momento, eu escolhi fazer uma parte do meu retiro no deserto acompanhada pela mandala. Então, inspirei-me na mensagem da iluminura da Santa Trindade de Hildegarda de Bigen⁴ e fiz a minha própria mandala da Santa Trindade para ter o meu encontro, o meu caminho e as orientações necessárias para tudo aquilo que deve ser mudado, primeiramente em mim, e em seguida, em minha própria vida. É verdade que o caminho ao deserto é um processo que fazemos sozinhos, no entanto, não estamos abandonados. Ao buscar a mandala da Santa Trindade, eu busquei a orientação que vinha da LUZ, afinal, eu preciso de luz para ver o que é preciso ver para que a mudança aconteça. Pense nisso.

Hildegarda de Bingen deixou grandes escritos sobre os Vícios e as Virtudes⁵ e foi sob essa orientação que eu me lancei nesta mandala, aparentemente simples, mas de uma grande seriedade. Eu ja falei em outros artigos que nem sempre a mandala que tem uma «carinha» facil de fazer é realmente facil assim. Cada mandala é um caminho que nos traz - cada uma à sua maneira -, muitas surpresas e aprendizados.

Sendo o Cristo o centro, Ele traz a virtude vencedora e destruidora de todos os vícios!

Ao enxergar os vícios que me atribulam, pude encontrar as virtudes que me libertam.

A Quaresma ainda não terminou. Abro os olhos e vejo que ainda estou no deserto. Estou só, mas jamais, abandonada. E isso faz toda a diferença.

Você! Não tenha medo do deserto. Tenha a coragem de ver e mudar.

Permita-se, caso você esteja disposto(a), viver esta Quaresma acompanhada por uma mandala. Ouça o que ela te diz. Queira ver o que ela deseja te mostrar. Certamente, ela te dirá o que é justo e você terá a força necessária para mudar o que é preciso mudar; deixar pra trás o que você não pode mais carregar; despedir-se dos que já se foram e que você ainda insiste em trazer consigo; ter a coragem de aceitar o que é e o que você pode fazer no momento e ter fé para enfrentar e participar de um novo mundo que se abre diante de ti.

Mas tudo isso só depende de você, afinal, o caminho é seu, apenas seu.

texto de Veruscka ROCHA

Mandala "A verdadeira Trindade na verdadeira Unidade", iluminura do Scivias

Notas :

Leia também o artigo anterior sobre a Mandala Santíssima Trindade de Hildegarda de Bingen aqui neste blog.

1 - Quaresma é a designação do período de quarenta dias que antecedem a principal celebração do cristianismo: a Páscoa, a ressurreição de Jesus Cristo, que é comemorada no domingo e praticada desde o século IV. A Quaresma começa na Quarta-feira de Cinzas e termina no Domingo de Ramos, anterior ao Domingo de Páscoa. Durante os quarenta dias que precedem a Semana Santa e a Páscoa, os cristãos dedicam-se à reflexão, a conversão espiritual e se recolhem em oração e penitência para lembrar os 40 dias passados por Jesus no deserto e os sofrimentos que ele suportou na cruz. Durante a Quaresma a Igreja veste seus ministros com vestimentas de cor roxa, que simboliza tristeza e dor. A quarta feira de cinzas é um dia usado para lembrar o fim da própria mortalidade. É costume serem realizadas missas onde os fiéis são marcados na testa com cinzas. Essa marca normalmente permanece na testa até o pôr do sol. Esse simbolismo faz parte da tradição demonstrada na Bíblia, onde vários personagens jogavam cinzas nas suas cabeças como prova de arrependimento.Cerca de duzentos anos após o nascimento de Cristo, os cristãos começaram a preparar a festa da Páscoa com três dias de oração, meditação e jejum. Por volta do ano 350 a Igreja aumentou o tempo de preparação para quarenta dias e foi assim que surgiu a Quaresma. Fonte: http://www.significados.com.br/quaresma/

2 - Trata-se de minha opinião hoje; outras pessoas, inclusive você podem pensar diferente.

3 - Antes de iniciar sua vida pública, logo após ter sido batizado por João no rio Jordão, Jesus passou 40 dias no deserto.  Esse retiro de Jesus mostra a necessidade que Ele teve em se preparar para a missão que O esperava.  Contam os Evangelhos que no deserto Jesus era conduzido pelo Espírito, o que quer significar que vivia em oração e recolhimento, discernindo a vontade de Deus para Sua vida e como atuaria a partir de então. No tempo que passou no deserto Jesus teve uma profunda experiência de encontro com o Pai.  E, tendo vivido intensamente esse encontro, foi tentado pelo diabo. Lucas 4, 1-2: “E Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do Jordão e foi levado pelo Espírito ao deserto. E quarenta dias foi tentado pelo diabo, e naqueles dias não comeu coisa alguma; e, terminados eles, teve fome.» Fonte: https://www.bibliaonline.com.br/acf/lc/4

4 - Você pode saber mais sobre santa Hildegarda de Bingen e suas mandalas aqui neste blog: http://tempodemandala.canalblog.com/archives/2015/02/16/31519715.html

5 - Para Hildegarda, os vícios são os principais responsáveis pelo desvio do homem no caminho que o leva à Deus. Através dos vícios (vaidade, amor das coisas terrenas, falta de moderação etc) o homem afasta-se de sua essência sem perceber, muitas vezes, que está escolhendo um caminho que pertence ao mundo mas não à si! Os vícios trazem a escuridão e o homem, por excelência divina é um ser de luz em sua essência profunda. Sendo os vícios liderados pelo demônio, este último será sempre derrotado e humilhado pela força divina que é sempre vencedora. Há 35 Vícios que se confrontam com 35 Virtudes. Segundo Hildegarda, ao buscar as Virtudes, o homem coloca-se no caminho de sua integridade e encontra sua essência divina que o leva à Deus. Os 35 Vícios e Virtudes são: 1. Amor pelas coisas do mundo x Amor pelas coisas celestes, 2. Petulância/Exuberância x Disciplina, 3. Amor pela diversão/Superficialidade x Amor pelas coisas simples/Modéstia/Respeito/Discreção, 4. Coração endurecido/Inflexibilidade x Misericordia/Compaixão, 5. Medo/Resignação x Vitória de Deus, 6. Ira/Criminalidade x Paciência, 7. Alegria falsa x Buscar à Deus, 8. Gulodice x Abstinência, 9. Amargura x Generosidade, 10. Impiedade/Infâmia x Piedade, 11. Mentira x Verdade, 12. Contestação/Briga x Paz, 13. Aflição x Alegria/Bem-estar 14. Falta de moderação/Excesso/Anarquia x Moderação/Discreção, 15. Alma perdida x Alma salva, 16. Arrogância x Humildade/Tolerância, 17. Inveja x Caridade, 18. Sede de glória x Temor de Deus, 19. Desobediência x Obediência, 20. Infidelidade x Fidelidade/Fé, 21. Desespero x Esperança, 22. Luxúria/Obscenidade x Castidade, 23. Injustiça x Justiça, 24. Falta de vontade/Apatia x Coragem/Bravura, 25. Esquecimento x Santidade, 26. Inconstância x Constância, 27. Preocupação com as coisas terrestres x Busca das coisas celestes/Busca da Espiritualidade, 28. Obstinação x Arrependimento sincero, 29. Cupidez/Ganância x Desapego pelas coisas do mundo, 30. Discórdia x Concórdia, 31. Impertinência x Reverência, 32. Vagabundagem/Instabilidade x Estabilidade, 33. Magia/CultoSatânico x Adoração de Deus, 34. Avareza x Grandeza de Espírito, 35. Falta de vontade de viver/Falta de amor pela vida/Desespero/Desânimo/Depressão x Alegria Celeste/Alegria Divina/Alegria que vem de DEUS/Felicidade que vem Espiritualidade Maior. (Traduzido livremente do original, em francês. Fonte: STREHLOW Wighard, La guérison du corps et de l'esprit selon Hildegarde de Bingen, Editions Dangles). Fonte: http://tempodemandala.canalblog.com/archives/2015/02/16/31519715.html

E Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do Jordão e foi levado pelo Espírito ao deserto;
E quarenta dias foi tentado pelo diabo, e naqueles dias não comeu coisa alguma; e, terminados eles, teve fome.

Lucas 4:1

E Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do Jordão e foi levado pelo Espírito ao deserto;
E quarenta dias foi tentado pelo diabo, e naqueles dias não comeu coisa alguma; e, terminados eles, teve fome.

Lucas 4:1-2

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